quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

A Minissaia

“A minissaia é sexy, mas jamais obscena. A moda é feita para provocar o desejo”.

Mary Quant.


A minissaia comemora em 2008 quarenta anos de existência. E a celebração não é só pela peça, mas por tudo que ela representou no contexto em que foi criada.

A década de 60 representou, no início, a realização de projetos culturais alternativos lançados na década de 50 e foi dividida em duas partes: de 1960 a 1965, marcada por um sabor de inocência e até mesmo de lirismo nas manifestações sócio-culturais. A segunda parte de 1966 a 1968 (porque 1969 já apresenta o estado de espírito de 1970), em um tom mais ácido, revela as experiências com drogas, a perda da inocência, a revolução sexual e os projetos juvenis contra a ameaça de endurecimento dos governos.

Nessa época teve início uma grande revolução comportamental, como o surgimento do feminismo e os movimentos civis em favor dos negros e homossexuais.

Surge então, a minissaia, nas ruas como conseqüência dos movimentos culturais, principalmente musicais. Ao vestir uma minissaia, a mulher chocou, transgrediu as normas de “bem vestir” e provocou as mais diversas reações. Uma novidade chocante para os conservadores e uma vitória na luta dos jovens que tentavam ganhar respeito, mudar idéias e crenças, ter voz, ter mais liberdade. Não só de expressão, mas também de estilo.

A invenção da minissaia é fonte de querelas tão complicadas quanto a do avião, que divide o mundo entre os defensores dos irmãos Wright e os do nosso Santos-Dumont. Para os britânicos, foi Mary Quant quem criou a minissaia, por volta de 1964-1965. A tese tem o apoio da maioria dos especialistas, mas há autoridades francesas no assunto que insistem que a minissaia foi projetada por André Courrèges, talvez o estilista mais ousado dos anos 60. Melhor talvez seja se fiar na própria Mary Quant, que indagada sobre a origem da minissaia, respondeu: "Não fui eu ou Corrèges quem a inventou --foram as garotas na rua".

O sucesso de Quant abriu caminho para outros jovens estilistas, como Ossie Clark, Jean Muir e Zandra Rhodes. Na América, Bill Blass, Ane Klein e Oscar de la Renta, entre outros, tinham seu próprio estilo.

Os grandes responsáveis pela disseminação da nova moda no Brasil foram Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, que formavam a famosa Jovem Guarda. O nome do grupo foi tirado de um discurso de Marx: “O futuro está nas mãos da Jovem Guarda”.

Inicialmente em um programa na TV Record, o estilo de vida destes jovens tornou-se popular e alavancou o lançamento de acessórios e roupas, como a minissaia, muito usada pela cantora Wanderléa. Ídolo da época, a cantora inspirou milhares de jovens que adotaram a sainha como peça-chave do guarda-roupa.

Nem sempre a minissaia teve ótima reputação. Em alguns lugares, como na França, a saia foi responsabilizada pelo aumento dos estupros. Na Grécia, apenas as turistas podiam usá-las. Na África, levou a culpa pela falta de chuvas.

Sim, a minissaia é uma arma feminista. Os homens chegaram a usar saiotes na Antiguidade romana e na Renascença para terem mais autonomia de movimento durante as lutas e as guerras. Eles obrigaram as mulheres, porém, a se cobrir dos pés à cabeça durante milênios, e ainda as obrigam, em certos países. Mesmo eles, cobriram-se bastante ao longo dos séculos. A moda é uma das mais resistentes formas de tirania social hoje, de um tipo de tirania consentida, de servidão voluntária ao mercado.

Mas, nos anos 60, as moças adotaram a minissaia como afronta ao jugo moral imposto pelo homem e para promover a liberação das gerações femininas futuras. Foi uma febre que então se espalhou muito mais rapidamente que as calças compridas para mulheres, outro signo de rebeldia, difundido lentamente a partir dos anos 30, sobretudo graças à estilista francesa Gabrielle "Coco" Chanel.

Na época de Wanderléa, no Brasil patriarcal e provinciano, a calça feminina nem bem estava ainda implantada, quando, um belo dia, começaram a aparecer uma multidão de pernas nuas de moças bem fornidas vestidas de minissaias. E as calcinhas de repente fizeram também a sua aparição transgressiva, como um vislumbre que se tinha no momento em que as moças de saias curtíssimas entrecruzavam as pernas ou subiam as escadas. Os anos 60 realmente colocaram o mundo de ponta-cabeça.

Talvez seja apenas por um resto de convenção, mais que de pudor, que as garotas de hoje em dia, nos ambientes sociais, fiquem puxando insistentemente para baixo a sua minissaia, tentando ajustá-la numa altura discreta, meçam detidamente o modo de cruzar as pernas ou, ao subir as escadas rolantes, peçam que os namorados fiquem atrás delas, impedindo que os passantes tenham uma visão indiscreta.

Convenção, sim, pois as calcinhas já viraram até mesmo um acessório a se exibir, como os soutiens. Um dos estilos contemporâneos consiste em colocar o jeans suficientemente baixo para que uma boa parte da calcinha apareça entre a cintura e a mini-blusa. Os garotos fazem o mesmo, com um modo de vestir as calças que as dispõe bem abaixo da cintura, enquanto sobem a cueca, deixando-a bastante visível. Esse estilo denota a necessidade de meninos e meninas acentuarem sua diferença sexual por meio da exibição das peças íntimas, já que na superfície dos jeans e camisetas há uma forte tendência à indiferenciação na moda de ambos.

Deve haver feministas que hoje contestam a minissaia, por esta ter esgotado o seu potencial revolucionário e se transformado em puro fetiche, um meio de exploração voyeurística do corpo feminino. Será?

O caso a seguir chama atenção exatamente pelo fato dessa peça de roupa revolucionária se transformar nas mãos masculinas em puro fetiche nos dias atuais. Em março deste ano as enfermeiras da Clínica São Rafael, da cidade de Cádiz, no sul da Espanha, foram multadas porque se recusaram a usar minissaia no trabalho. O uso de um uniforme com saias curtas é obrigatório para as enfermeiras da clínica, mas um grupo de funcionárias decidiu desobedecer à norma e, como punição, cada uma delas teve 30 euros (cerca de R$ 80) descontados da folha de pagamento. “Sentimo-nos como objetos decorativos. Na hora de trabalhar não temos liberdade de movimentos, nem podemos nos abaixar para atender os pacientes que estão em camas”, disse a sindicalista Adela Sastre, presidente do Comitê das Enfermeiras, a um grupo de jornalistas diante da clínica.

É certo que as mulheres continuam a ser muito exploradas - só não vê quem não quer. Nos mesmos anos 60, alguns já percebiam como a liberação feminina poderia ser absorvida maliciosamente pela publicidade e a emergente indústria da pornografia. Prisioneiras sexuais seculares, as mulheres se revoltaram para, em seguida, serem transformadas livremente em mercadoria do entretenimento masculino.

Sem falar que, liberadas da norma puritana, elas foram enquadradas de imediato num outro regime despótico, aquele que lhes pede um corpo perfeito. É essa fantasia de perfeição que alimenta a poderosa indústria da beleza, das dietas, da moda e das ginásticas no mundo.

Eis uma nova forma de vestir revolucionariamente a minissaia: rompendo com esta lei tirânica que se impôs às mulheres em nome do fantasma da perfeição física. A exibição assumida das imperfeições do corpo, a exibição do corpo como singularidade, é o modo atual de elas lutarem contra a dominação masculina e também contra as pressões servis que as próprias mulheres se impõem mutuamente nos desfiles de moda, nas revistas, nos programas de TV, nas conversas soltas. Portanto, todas as mulheres usem minissaias sem medos nem rancores! Sem contar que a minissaia é um emblema da liberdade e toda vez que uma garota veste hoje uma minissaia, ela está portando ao mesmo tempo, a lembrança de uma rebelião.



Referências Bibliográficas

FISCHER-MIRKIN, Toby. O código de vestir: os significados das roupas femininas. RJ, Rocco, 2001.
MENDES, Valerie D. e Amy de la Haye. A moda do século XX. São Paulo. Martins Fontes,2003.
NERY, Marie Louise. A evolução da indumentária: subsídios para criação de figurino. RJ, SENAc, 2004.

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